Monday, March 06, 2006

11 - Pensar

Sonho com um escola onde os putos possam chegar a casa e ensinar aos pais o b-a-bá da civilidade. Isso parece-me possível. A inversa, menos.
Ensinarem por exemplo a não deitarem o lixo para o chão, a não trancarem o vizinho no estacionamento, a pararem nos stops ou mesmo, coisa tão difícil, a apanharem o cocó do cão (que merda!). Como é que se ensina isto na escola? Só com professores que professem estas convicções. Quase tudo depende dos professores.

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Escola, sítio de pensar. Uma escola que pelo menos pense para que diabo a escola deve servir. Uma escola não automática.

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Podem crer que é o que mais me magoa. Ter passado tantos anos na escola e não dispor de instrumentos, treino, conhecimento, para poder pensar um pouco melhor. Eu nem devia falar nestas coisas já que são muito difíceis de explicar e muito menos nestas alturas. Os do liceu ainda tinham uma cadeira de Filosofia, enquanto que a nós, alunos de escolas secundárias, estava claramente destinado apenas um ofício (empregado de escritório, serralheiro, montador electricista) a caminho do qual se excluía a educação do pensamento. Mera continuação da escola primária.
É claro que a liberdade de pensamento e o exercício do pensar eram contrários à natureza do Estado Novo. Já passou, não se fala mais nisso. Mas agora, agora no séc XXI, o que fazemos nós nesse domínio? A mim parece-me um erro trágico, um prejuizo irremediável não aproveitarmos um pouco melhor as meninges. Claro que não é fácil, nem imediato, demora muitos anos, aprende-se, treina-se – teria de começar na Escola. E não estou a falar em tirar cursos ou mestrados.

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É preciso distinguir entre liberdade de pensamento e liberdade de expressão.
Mais sarrafada menos sarrafada, a segunda liberdade está razoavelmente adquirida, acho mesmo que foi a melhor das aquisições do 25 de Abril. Mas a primeira, a liberdade de pensamento, a liberdade daquilo que flui ou não flui no sótão e no vozear da cabeça de cada um...
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A educação condiciona o grau de liberdade de pensa- mento. A escola que tivemos, beata, censória e obscurantista, seguramente que deixou nos nossos engramas algumas peias (poias).


[Da Exposição da Emídio Navarro. Uma fotografia extraordinária]


Como se faz uma escola que favoreça a liberdade de pensamento? Não digo que a tolere, digo que a favoreça e estimule.
Tenho para mim que os portugueses nunca foram muito dados ao pensamento. Com o devido respeito, só se lhes conhece um pouco mais de profundidade quando estão em fase de luto por qualquer coisa. Até já nos habituámos a confundir tristeza com reflexão. Antigamente falava-se no Português Suave, aquele ser levezinho que nunca queria aprofundar muito as coisas. O certo é que não temos na nossa história filósofos de nomeada.

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Seria bom que a Escola, qualquer escola, tivesse como uma das suas preocupações principais viabilizar, tentar, promover o exercício de pensar. Há neste momento por aí imensa gente interessante a escrever e a dizer coisas interessantes. Mas a generalidade são brilhantes ideias de circunstância, duram uma conjuntura, algumas até representam meros pacotes de pronto-a-pensar recém importados. Acho que pelo contrário, a Filosofia… Não sei como se faz. [Senhores pedagogos ou a quem interessar.]

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Talvez que não concordem comigo. Então permitam-me dois ou três exemplos.

Somos ou não somos aquele povo que, endividado e pobre, com uma Justiça anti-País e impraticáveis listas de espera, oncológicas e outras, mesmo assim se meteu a fazer 10 novos estádios de futebol? Que os governos tentem fazer destas coisas, enfim, já sabemos que o populismo ganha eleições. Mas mau, mesmo muito mau, foi que a este populismo dos governantes tivesse correspondido uma onda de júbilo popular, nacional.

Bem pode o ainda Presidente da República, Dr Jorge Sampaio, clamar por mais autoestima. Como se a autoestima não devesse nascer apenas da obra feita, do tino, do rumo colectivamente assumido, do orgulho de sermos qualquer coisa que objectivamente valha a pena ser. Só se fôssemos completamente néscios ou drogados é que neste momento poderíamos ter autoestima (a nossa falta dela é ainda uma esperança, um sinal de aderência à realidade).

Lembram-se da procissão que se fez na Ponto Vasco da Gama acompanhando a Selecção Nacional de Futebol? Meteu carros a apitar (mete sempre carros a apitar), barcos no rio, lenços, adeuses. A nossa autoestima está dependente de uma defesa do Ricardo ou de um golo do Petit. Valha-nos Santo Eusébio (da Silva Ferreira) que qualquer dia lá andamos nós outra vez a pôr bandeirinhas à janela, essa versão laica da velinha acesa.

Pensamos, nós? E costuma ser na escola que a atitude se desenvolve ou não.

E a OTA e o TGV Lisboa-Porto? Por que não nos indignamos? Porque não ouvimos pessoas como Silva Lopes, Miguel Beleza, Medina Carreira, entre outros? Não sei se os meus amigos são dos que pagam impostos ou dos outros. Em todo o caso é o País que vai ao fundo.
E a Regionalização, que há-de vir, nem que tenha de mudar de nome, com os seus vice-reis, Norte, Centro, Sul? Que vómito!

Outro exemplo, agora respeitante ao futuro.
Alegremente fomos destruindo grande parte do recorte da costa algarvia. O que não nos parece incomodar grandemente, pelo contrário desde que lá tenhamos um time-share qualquer. Seguir-se-á a costa alentejana, é uma questão de tempo. Se a água do mar no Alentejo fosse menos fria já haveria hotéis na linha do horizonte, assim demora um pouco mais mas lá chegaremos (vejam o caso de Vila Nova de Milfontes, no que aquilo se tornou). E a culpa, sempre abstracta, será obviamente das “pressões” a que os municípios são sujeitos e da necessidade de “desenvolvimento” (1).

Pois bem, temo que a essas destruições se siga agora uma outra, (não sei qual a sua extensão), a da paisagem da serra portuguesa, a começar pela minhota. Com a história das “energias renováveis” preparamo-nos para instalar ventoinhas onde hoje são serras, céu, núvens, terra. E a seguir, como aquilo dará apenas uma pequena percentagem da electricidade necessária e o petróleo anda perigoso, a seguir virá o lóbi do nuclear – até já dá para percebermos quem vão ser os seus comissários políticos.

Nada tenho contra o eólico, pouco tenho contra o nuclear, tudo tem prós e contras. Alguma da energia que estou neste momento a consumir até vem de centrais nucleares. E vivemos paredes meias com uma. O que pretendo então com todo este arrazoado aparentemente tão distante da Emídio e da Escola? É que entendo que enquanto Povo devíamos andar a discutir o nosso futuro energético, venha ele a ser o solar (olimpicamente ignorado), o eólico, o nuclear, as marés, etc. ou vários. Discutir, pensar, ouvir os mais informados, colher experiências alheias. E decidir. Mas ANTES, ANTES de estragarmos a paisagem, neste caso do Minho, ANTES!

O Ambiente e a Paisagem são temas demasiado importantes para estarem apenas nas mãos dos políticos, ainda que eleitos.

Os Suíços, por muito menos, referendam. Nós sujeitamo-nos. Pensamos, nós?

Estou pessimista? Pois estou. Quanto o marketing nos vier falar das Wind Farms, assim em inglês para português ver, sempre quero ver quem resiste. Não temos nós na sabedoria popular o lema de que "o resto é paisagem", querendo com isto significar que esta não vale nada?

Um povo que pensa pouco e tarde é um povo que será sempre apascentado. Um povo crítico, com direitos, é-o desde a Escola, necessariamente. Que fazer?, já perguntava o outro.

A propósito, sabem dizer-me se esta questão das ventoinhas e da paisagem do Minho é ao menos debatida nas escolas do Minho? Ou só os KW/h ?

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(1) Espero que acreditem que não tenho percentagem. Aliás nem conheço o autor. Mas deixem-me fazer publicidade. Há poucos anos saiu um livro que vos recomendo vivamente. É do fotógrafo João Mariano e chama-se “Lugares Pouco Comuns”. Tem fotografias espantosas de uma costa espantosa, a do chamado SW Alentejano. Vejam. Mais vale este livro do que mil discursos autárquicos em prol do ambiente e blá blá blá. Vejam porque qualquer dia pode ser passado.
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